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Do MOVA-SP ao MOVA-Brasil

Dia 1° de janeiro de 1989, um partido popular democrático de base progressista assumia, pela primeira vez na história brasileira, a mais importante cidade do País: São Paulo. A eleição de uma mulher das classes populares, Luiza Erundina, para governar a maior metrópole da América do Sul, com uma proposta clara de “inversão de prioridades”, possibilitou melhores perspectivas de implantação de instrumentos da participação popular e de mudança social, tendo Paulo Freire como secretário municipal de Educação. Valorizando a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o município de São Paulo introduziu o ensino noturno em todas as escolas de Ensino Fundamental e transferiu o Programa de Educação de Adultos (EDA) da Secretaria de Bem-Estar Social para a Secretaria de Educação. O EDA era um programa de alfabetização e pós-alfabetização em nível de suplência, criado em São Paulo, no início da década de 1970, em convênio com a Fundação Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Luiza Erundina havia sido uma das fundadoras do EDA como assistente social daquela Secretaria. A partir de 1984, com o encerramento do convênio com o Mobral e com a autorização do Conselho Estadual de Educação, o projeto passou a se chamar Programa de Educação de Adultos (EDA). Mas o que realmente marcou a gestão de Luiza Erundina no campo da educação foi a criação do MOVA-SP (Movimento de Alfabetização de Jovens e de Adultos da cidade de São Paulo), em parceria com a sociedade civil.

Origens do MOVA

O Programa MOVA-SP foi lançado no dia 29 de outubro de 1989, na Câmara Municipal de São Paulo, contando com a participação massiva de movimentos sociais e populares da capital paulista. Na ocasião, falou Paulo Freire:

Só muito dificilmente poderia negar a alegria, mesmo bem comportada, que sinto hoje, como secretário de Educação da cidade de São Paulo, enquanto um entre os que pensam e fazem o MOVA-SP. A alegria de ser um dos que pensam e fazem o MOVA, tantos anos depois de haver coordenado o Programa Nacional de Alfabetização do MEC, em 1963, e que o golpe de Estado frustrou em começos de 64 (...). A administração popular democrática de Luiza Erundina tem vontade política indispensável à marcha do MOVA-SP. Nós garantiremos o nosso empenho para fazer as coisas certas, respeitando os movimentos sociais populares com os quais trabalharemos e buscando o apoio conscientemente crítico dos alfabetizandos, sem o qual fracassaremos. (PMSP/SME, 1989, p. 2).

Os “movimentos sociais populares”, aos quais Paulo Freire se referiu no lançamento do Programa MOVA-SP, surgiram muitas vezes em função da ausência do Estado no provimento da Educação de Jovens e Adultos, e, em outros momentos,contra o próprio Estado. Com a gestão de Luiza Erundina, os movimentos sociais e populares se encontravam diante de uma administração que mostrava vontade política de enfrentar, em parceria com eles, o desafio do analfabetismo. Colocaram, então, a experiência deles a serviço do governo municipal, sem com ele se confundir. A partir da confluência entre a vontade política do município e os interesses dos movimentos sociais e populares, oficializou-se, por meio do Decreto nº 28.302, de 21 de novembro de 1989, a parceria entre governo e representantes da sociedade, buscando assim, num esforço conjunto, contribuir para a superação do grave problema do analfabetismo em São Paulo. A criação do MOVA-SP tinha por objetivos: 1º. desenvolver um processo de alfabetização que possibilitasse aos educandos uma leitura crítica da realidade; 2º. por meio do Movimento de Alfabetização, contribuir para o desenvolvimento da consciência crítica dos educandos e dos educadores envolvidos; 3º. reforçar o incentivo à participação popular e à luta pelos direitos sociais do cidadão, ressaltando o direito básico à educação pública e popular; 4º. reforçar e ampliar a atuação dos grupos populares que já trabalhassem com alfabetização de adultos na periferia da cidade. Além da preocupação com o ensino noturno e com o Programa EDA, num movimento permanente de articulação entre educação formal e Educação de Jovens e Adultos, deu-se especial atenção ao MOVA, procurando parcerias que fossem muito além de uma campanha momentânea e passageira. O MOVA-SP reunia três condições básicas para que um programa de Educação de Jovens e Adultos pudesse ter êxito: a) vontade política da administração; b) empenho e organização dos movimentos sociais e populares; e c) apoio da sociedade. Os núcleos de alfabetização e pós-alfabetização do MOVA-SP foram sediados em equipamentos da própria comunidade e concebidos como focos aglutinadores e irradiadores da cultura local que incluía a história do próprio movimento popular da região, procurando ler, dessa maneira, a sua realidade, de forma crítica. Por meio desse processo de tomada de consciência de sua realidade, de apropriação e criação de conhecimentos novos, os alfabetizandos tinham acesso, de forma sistemática e progressiva, a conhecimentos cada vez mais elaborados, constituindo-se, assim, em sujeitos da ação transformadora da sua própria realidade. A maioria dos professores do MOVA-SP pertencia à própria comunidade onde eles atuavam. Eles estavam comprometidos com as lutas que ali se desenvolviam e eram capacitados por meio de cursos de formação promovidos pela Secretaria. Já os supervisores do programa eram escolhidos dentre os professores que recebiam formação específica. Com o propósito de assegurar uma relação de parceria bem sucedida entre a prefeitura e os movimentos sociais e populares, criou-se o Fórum dos Movimentos Populares de Educação de Adultos da Cidade de São Paulo. A ideia surgiu no início de 1989, a partir de reuniões entre a Secretaria e os grupos compostos por membros dos movimentos e por educadores comprometidos com a alfabetização de jovens e adultos de São Paulo. Esses grupos já desenvolviam iniciativas isoladas para alcançar melhor desempenho na realização de seus trabalhos. Com a criação do Fórum, puderam unificar suas experiências e ampliá-las, tendo em vista o compromisso daquela administração com as causas populares. A partir de sua criação, o Fórum passou a acontecer mensalmente para debater o andamento do projeto. Em seu primeiro ano de funcionamento, o MOVA-SP implementou 626 núcleos de alfabetização em convênio com 56 movimentos populares, tendo formado 2.001 alfabetizadores e alfabetizado 12.185 pessoas.

A Metodologia MOVA

Iniciamos este debate partindo do pressuposto inegável da educação como um direito. Como podemos pensar em justiça social quando, ainda hoje no Brasil, quase 14 milhões de pessoas (IBGE, 2012) não tiveram acesso à educação escolar elementar? A história da educação brasileira mostra que, durante um longo período, só as elites frequentavam as escolas públicas. Pelas condições sociais, a maioria da população estava excluída, pois muitos precisavam trabalhar desde cedo e, quando tinham acesso, eram expulsos da escola que não estava preparada para recebê-los – ou seja: havia uma inadequação da própria escola em lidar com a população mais pobre. Fatores como esses, de maneira velada ou explícita, fecharam as portas da escola, humilhando aqueles que a ela chegavam com o estranhamento próprio de uma classe social trabalhadora, com pouco ou nenhum contato com o mundo da leitura e da escrita. De acordo com a publicação Educação de Jovens e Adultos: proposta curricular para o 1º segmento do Ensino Fundamental, organizada por Vera Maria Masagão Ribeiro (1997), até o início da década de 1950 o analfabetismo era concebido como causa e não como efeito da situação econômica, social e cultural do País. Essa concepção legitimava a visão do adulto analfabeto como incapaz e marginal. Segundo Carlos Rodrigues Brandão, o movimento de luta pela democratização da escola pública se articula para exigir o direito ao acesso à educação de todos os cidadãos, fundamentado em dois princípios:

[…] o primeiro considerava que a educação escolar era não só um direito de todos os cidadãos, mas o meio imediato, justo e realizável de construção das bases de uma sociedade democrática. O segundo, modificações fundamentais nas formas e na qualidade da participação de inúmeros brasileiros, tanto na cultura, quanto na vida econômica e política do país, eram uma condição fundamental para a melhoria dos indicadores de nossa situação de atraso e pobreza; a educação estendida a todos através de uma mesma escola – pública, laica e gratuita – é um instrumento indispensável em tudo isto. (BRANDÃO, 2006, p. 39).

A defesa de uma educação pública, democrática e popular para todas as pessoas faz parte da luta do movimento social brasileiro desde os anos de 1960. A luta por uma escola popular, democrática e cidadã prima pela qualidade do ensino e da aprendizagem. Não apenas pelo aumento dos anos de escolaridade, que, dependendo do caso, não significará proficiência na língua materna, nem capacidade de raciocínio lógico matemático, tampouco a capacidade de formar pessoas politizadas que possam, juntas, se mobilizar por uma causa como o direito à educação pública de qualidade, para si e para seus filhos, evitando que a história se repita. Sabemos que pais alfabetizados contribuem para o bom desempenho escolar dos filhos, entre outras coisas tão importantes quanto a diminuição das doenças e da mortalidade infantil. A escolaridade, com base nos princípios da democracia, da ética e na participação política, fomenta a luta por melhores condições de vida, incluindo reivindicações relativas à saúde, moradia, emprego, alimentação, transporte, lazer, entre outros.

Centrando-se a educação popular na produção cooperativa, na atividade sindical, na mobilização e na organização da comunidade para a assunção por ela da educação de seus filhos e filhas, através das escolas comunitárias [...] A que se junte a defesa da saúde, na alfabetização e na pós-alfabetização. (FREIRE, 2006, p. 132).

Se considerarmos que a educação emancipadora constrói sujeitos críticos, é preciso assegurar esse direito inalienável a todos e a todas. Seria muito ingênuo de nossa parte adotar o termo “educação” de forma genérica, sem nos posicionar a favor de quem, contra quem. Optamos pela educação que oprime ou pela que liberta?

Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem ou da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. (FREIRE, 1997a, p. 115).

Portanto, anunciamos nosso posicionamento político diante da opção de uma concepção de educação cidadã, democrática e popular. Paulo Freire, em entrevista a Rosa Maria Torres em 1987, expõe sua visão, superando a confusão frequente que trata Educação Popular como sinônimo de Educação de Jovens e Adultos. “A educação popular se delineia como um esforço no sentido da mobilização e da organização das classes populares com vista à criação de um poder popular”, afirmou o educador. Portanto, necessariamente, não está diretamente ligada à EJA. A Educação Popular não depende da idade do educando e Paulo Freire prossegue, dizendo: “o que marca, o que define a educação popular, não é a idade dos educandos, mas a opção política, a prática politica entendida e assumida na prática educativa” (TORRES, 1987, p. 86-87). A Educação Popular nasce na América Latina no século 19. Em 1849, o general Domingo Faustino Sarmiento, presidente da Argentina, que também era educador, escreveu uma obra intitulada De La Educación Popular. Ele a entendia como educação escolar primária e para todos, visando à formação do cidadão liberal. Assim, a Educação Popular nasce dentro do Estado como uma educação que “forma o povo”, que o educa para a sociedade liberal burguesa. Esta educação deveria ser ministrada pela escola pública primária, correspondente hoje ao Ciclo I do Ensino Fundamental. No entanto, no século 20, o movimento social sindical operário concebe a Educação Popular como educação voltada para os interesses do povo, não como voltada aos interesses do Estado burguês. Por isso, defende que não deveria ser estatal, concebendo-a como uma forma de educação não oficial. Esta concepção da Educação Popular teve diferentes origens: o anarco-sindicalismo do início do século passado, o socialismo autogestionário, o liberalismo radical europeu, as utopias da independência que vinham desde o século 19 e chegaram ao nacional desenvolvimentismo do século 20 e as teorias da libertação que influenciaram também a teologia, além dos movimentos populares dos quais Paulo Freire foi tributário. A América Latina tem sua história marcada por regimes autoritários, com longa experiência em ditaduras que tentaram impor uma “identidade nacional”, sem levar em conta o saber popular, a forma de ver o mundo das pessoas e de seus grupos. Portanto, a Educação Popular surge da luta pela liberdade, pela autonomia, pelo desenvolvimento autossustentado que valoriza a participação cidadã e sua emancipação histórica, contra autoritarismos e regimes de exceção. Assim, podemos dizer que, embora a Educação Popular e a Educação de Jovens e Adultos possuam uma estreita relação, “elas não são a mesma coisa. A Educação de Adultos pode ser popular ou não [...]. A educação popular, enquanto concepção de educação, pode estar presente em qualquer idade, nível ou modalidade de ensino” (GADOTTI, 2008b, p. 35). Para Carlos Rodrigues Brandão (2006), a primeira experiência de educação com as classes populares, à que se deu, sucessivamente, o nome de educação de base como concepção de educação libertadora e mais tarde de Educação Popular, separada do Estado, surge no Brasil no começo da década de 1960. A Educação Popular surge como contraponto à ideologia dominante, dentro dos movimentos de cultura popular. Processualmente, dissemina-se por alguns governos de características mais populares, obtendo relevância pelo fato de respeitar a cultura do povo, por propor a educação como ato político e, portanto, transformador. Dentre os muitos intelectuais que fazem jus a esta concepção, destacamos Paulo Freire como referência no Brasil, na América Latina e no mundo, pela sua contribuição original, contrapondo a educação tradicional bancária e autoritária à concepção popular de educação, bem como pela sua prática, como na conhecida experiência vivida em Angicos (RN). Em Angicos, a palavra “conscientização” foi traduzida nos relatórios de avaliação dos alfabetizandos como sinônimo de “politização”. Alfabetizar não era meramente decifrar códigos, era preciso “conscientizar”.

No final da década de 50, as críticas à Campanha de Educação de Adultos dirigiam-se tanto às suas deficiências administrativas e financeiras quanto à sua orientação pedagógica. Denunciava-se o caráter superficial do aprendizado que se efetivava no curto período da alfabetização, a inadequação do método para a população adulta e para as diferentes regiões do país. Todas essas críticas convergiram para uma nova visão sobre o problema do analfabetismo e para a consolidação de um novo paradigma pedagógico para a educação de adultos, cuja referência principal foi o educador pernambucano Paulo Freire. (RIBEIRO, 1997, p. 22).

Para Paulo Freire, a conscientização precede a alfabetização. Como afirma Celso de Rui Beisiegel, professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Paulo Freire,

[...] no primeiro artigo que escreveu sobre conscientização e alfabetização, publicado em 1963, na Revista Estudos Universitários da Universidade do Recife, dizia que o homem, primeiramente, se conscientiza para depois se alfabetizar, quer dizer, o problema da alfabetização é importante, mas ela é uma variável dependente; o essencial é conscientizar o homem, aquilo que os meninos da JUC (Juventude Universitária Católica), logo depois, em Angicos, no mesmo ano, numa experiência coordenada pelo próprio Paulo Freire, viriam a chamar de politização, quer dizer, primeiro, é envolver o homem oprimido, o homem massacrado pelas determinações da sua vida, num processo de conscientização, de tomada de consciência que lhe possibilite se organizar e lutar pela transformação de uma sociedade que o oprime, quer dizer, os movimentos de educação de jovens e adultos da década de sessenta eram movimentos de transformação da sociedade. (apud INSTITUTO PAULO FREIRE, 2005, p. 36).

O pensamento pedagógico de Paulo Freire e a sua proposta de alfabetização de adultos inspiraram os principais programas de alfabetização e Educação Popular que se realizaram no País no início dos anos de 1960 por intelectuais, estudantes e católicos, engajados numa ação política junto aos grupos populares. Atuaram os educadores do Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dos Centros de Cultura Popular (CPCs), organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE), dos Movimentos de Cultura Popular, que reuniam artistas e intelectuais com apoio de administrações municipais. A articulação destes diversos grupos de educadores passou a pressionar o governo federal para que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas. Em janeiro de 1964, foi aprovado o Programa Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação de programas de alfabetização orientados pela proposta de Paulo Freire por todo o Brasil.

O paradigma pedagógico que se construiu nessas práticas baseava-se num novo entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária. Era preciso, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que produzia o analfabetismo. A alfabetização e a educação de base de adultos deveriam partir sempre de um exame crítico da realidade existencial dos educandos, da identificação das origens de seus problemas e das possibilidades de superá-los. Além dessa dimensão social e política, os ideais pedagógicos que se difundiam tinham um forte componente ético, implicando um profundo comprometimento do educador com os educandos. (RIBEIRO, 1997, p. 23).

Esse engajamento revolucionário de Paulo Freire, de estudantes e sindicatos, estimulados pela efervescência política da época, chamou a atenção das elites, pois a educação como ato político poderia, em curto prazo, desvelar a realidade opressora e provocar mudanças no País. A preparação do plano foi interrompida alguns meses depois pelo golpe civil militar. Paulo Freire foi exilado e os programas de alfabetização e Educação Popular, que haviam se multiplicado no período de 1961 a 1964, foram vistos como grave ameaça à ordem. O governo só permitiu a realização de programas de alfabetização de adultos assistencialistas e conservadores, até que, em 1967, ele mesmo assumiu o controle dessa atividade lançando o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), enterrando de vez o sonho do Programa Nacional de Alfabetização de Paulo Freire. Em 1969, o Mobral lançou uma campanha massiva de alfabetização que reproduzia alguns procedimentos adotados por Paulo Freire. No entanto, o conteúdo era esvaziado de sentido crítico e problematizador. Ainda com esta característica, o Mobral se expandiu pelo País durante a década de 1970, sendo extinto em 1985, depois de cair no descrédito dos meios políticos e educacionais. No final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, a Educação Popular, como todo processo histórico, passava por uma refundação. Com a redemocratização da América Latina, emergiram experiências de Educação Popular em muitos setores, como: saúde, trabalho, assistência social, terra, moradia, gênero, religião etc. Assim, no Brasil, muitos projetos foram retomados, inclusive o de erradicar o analfabetismo. Novos temas foram incorporados: o diálogo de saberes, os conceitos de sociedade civil, gênero, questão ambiental, a valorização da subjetividade etc., distanciando-se de uma leitura classista e reprodutivista da educação. A escola pública passou a ser assunto da Educação Popular. A Educação Popular começa a ser entendida como política pública.

O processo de formação

Formar coordenadores de polo, assistentes pedagógicos, auxiliares administrativos, coordenadores locais e alfabetizadores é um dos objetivos a serem alcançados a partir da prática político-pedagógica do Projeto MOVA-Brasil. Para atender a essa meta, o Projeto define como principal atividade a formação dos educadores/monitores. Para que tal ação seja efetivada, o Projeto organiza as formações em três escalas e dois níveis. As escalas são:


  • Nacional: realizada para coordenadores de polo, assistentes pedagógicos e auxiliares administrativos.
  • Estadual: realizada nos polos onde o Projeto atua (para coordenadores locais e alfabetizadores).
  • Local: realizada pelos coordenadores locais nos núcleos de cada polo (para os alfabetizadores).

Os níveis são:


  • Formação Inicial: com enfoque nos objetivos, metodologia, estrutura e funcionamento do Projeto, contexto e políticas públicas da EJA.
  • Formação Continuada: com enfoque nas orientações sobre a Metodologia Freiriana, subsídios referentes à leitura, à escrita, à alfabetização matemática, à avaliação, ao Projeto Eco-Político-Pedagógico (PEPP), à valorização dos saberes cotidianos e à troca de experiências.

A prática metodológica que norteia as ações de Formação Inicial e Continuada dos educadores/monitores do Projeto MOVA-Brasil segue de acordo com os princípios da dialogicidade e da participação coletiva. A prática do Círculo de Cultura e a participação dos educandos no processo de aprendizagem como sujeitos é uma marca constante nos encontros de formação.

A educação como diálogo

A educação e a cultura só se realizam, só se materializam, por meio do diálogo. Não se realizam por força de pressão para memorizar ou decorar algo. Não podemos pensar o diálogo como metodologia apenas para facilitar o trabalho. O diálogo deve ser entendido como a própria finalidade do trabalho, que nos prepara para ser cada vez mais capazes de conviver com os outros. Carlos Rodrigues Brandão, antropológo e educador popular, em fala durante a Formação Continuada realizada em Pocinhos (MG), dia 12 de dezembro de 2012, no Sítio Rosa dos Ventos

Coordenação Pedagógica

A atuação da Coordenação Pedagógica Nacional (CPN) é pautada pela Direção Pedagógica do IPF, a partir das diretrizes do Comitê Gestor. Ocorre nas mais variadas atividades do Projeto MOVA-Brasil, desde a preparação do processo de pré-seleção nos polos até a avaliação final dos educandos e seus encaminhamentos para a continuidade dos estudos. Essa atuação envolve as três dimensões do Projeto nas suas amplitudes e complexidades: pedagógica, política e administrativa. Diante dos objetivos, das ações e dos resultados esperados pelo Projeto MOVA-Brasil no decorrer de seus dez anos, a CPN teve um importante papel no sentido de garantir que as ações previstas fossem realizadas e os objetivos e resultados alcançados a contento. O êxito da ação da CPN depende, sobremaneira, da realização de uma série de ações que compreendem a gestão das dimensões política, pedagógica e administrativa do Projeto junto aos polos de acompanhamento.

Gestão política do Projeto

No processo de gestão política do Projeto, a CPN tem a competência de monitorar e avaliar se as orientações do Comitê Gestor são cumpridas de modo satisfatório. Para isso, deve garantir, no acompanhamento presencial e a distância, procedimentos básicos. Entre eles:

  • acompanhar e avaliar o processo de instalação dos núcleos e turmas, sua organização geográfica e as condições de infraestrutura dos espaços de ensino-aprendizagem;
  • acompanhar e avaliar a mobilização e o cadastramento de educandos e educandas para participarem das turmas de alfabetização;
  • orientar e acompanhar as equipes dos polos no planejamento, na mediação e na avaliação das ações de pré-seleção de coordenadores(as) locais e de monitores(as);
  • orientar e acompanhar as equipes dos polos no diálogo com os articuladores sociais sobre as demandas políticas, pedagógicas e administrativas do Projeto;
  • acompanhar o processo de articulação dos polos com as parcerias agregadas às ações do Projeto nas comunidades de atuação;
  • orientar os polos sobre o registro processual da avaliação dos avanços e desafios da gestão política do Projeto nos instrumentos de monitoramento e avaliação;
  • orientar e acompanhar as equipes dos polos nos encaminhamentos dos educandos à formação profissional;
  • orientar e acompanhar as equipes dos polos no encaminhamento dos educandos à escola pública.

Ainda no que diz respeito à dimensão política do Projeto, a atuação da CPN junto aos articuladores sociais tem representado um avanço qualitativo na gestão das ações previstas. A atuação dos articuladores vai desde o mapeamento da demanda por alfabetização nos municípios e povoados onde o Projeto atuará, passando pela abertura de salas de aula de alfabetização em diálogo com parceiros locais que devem assumir a corresponsabilidade pelo sucesso ou fracasso da organização da turma (encarregando-se de questões estruturais, de espaço, iluminação, acessibilidade e outras contrapartidas), até o estímulo e construção dialogada e coletiva de orientações sobre formas de organização social com vistas à melhoria da qualidade de vida dos educandos e das educandas e da comunidade do entorno. Isso ocorreu no município de Icapuí (CE), onde um grupo de artesãs labirinteiras (foto) resolveu se organizar e formar uma associação para orientar a produção e comercialização de seus bordados, a partir do trabalho desenvolvido sob as orientações do monitor do Projeto MOVA-Brasil. Merece destaque a atuação da CPN junto aos articuladores sociais, fazendo valer, dentro e fora de sala de aula, a dimensão política do Projeto, uma vez que é por meio dessa dimensão que viabilizam, de forma mais direta e efetiva, os processos de participação e mobilização das comunidades que fazem parte do MOVA-Brasil na criação e na ampliação de possibilidades para o exercício da cidadania ativa dos grupos envolvidos. Completando o nosso percurso de acompanhamento aos polos na dimensão política do Projeto, podemos destacar como avanço a articulação de parcerias com os Fóruns Estaduais de EJA, em especial nos Polos Bahia e Ceará. A partir da participação nesse importante espaço de construção de políticas públicas para a educação de jovens, adultos e idosos, foram oportunizados espaços estratégicos para a elaboração de propostas em prol do fortalecimento da EJA junto às Secretarias Municipais de Educação, contribuindo, principalmente, com a cessão de salas de aula nas escolas da rede pública para a instalação de turmas e no apoio para o deslocamento dos colaboradores nas Formações Continuadas e para os participantes nos Encontros de Educandos do Projeto. Dentre as três dimensões que compõem o MOVA-Brasil, a CPN também possui ações de intervenção no que diz respeito ao acompanhamento administrativo-financeiro do Projeto. Do ponto de vista administrativo, pode-se observar entre os polos a melhoria na organização da documentação de RH e valores de aportes solicitados para as ações na ponta (realização de formações semanais e visitas às turmas); na prestação de contas referentes aos recursos utilizados, bem como na solicitação de recursos e envio dos relatórios no formato e prazo estabelecidos pelo setor responsável.

O Dia-a-dia do MOVA-Brasil

Este capítulo abordará os diferentes sujeitos que, ao longo destes dez anos, participam e fazem do MOVA-Brasil um projeto de alfabetização e cidadania. Em suas obras, Paulo Freire recupera a posição de homens e mulheres como sujeitos da história. Mostra que as transformações históricas não se dão exclusivamente na dimensão das objetividades, mas na dialética entre o mundo subjetivo e o objetivo, ou seja, na relação que os sujeitos, mulheres e homens, estabelecem entre si e com as estruturas. Segundo o educador, Se as estruturas econômicas, na verdade, me dominam de maneira tão senhorial, se, moldando meu pensar, me fazem objeto dócil de sua força, como explicar a luta política, mas, sobretudo, como fazê-la e em nome de quê? Para mim, em nome da ética, obviamente, não da ética do mercado, mas da ética universal do ser humano, para mim, em nome da necessária transformação da sociedade de que decorra a superação das injustiças desumanizantes. E tudo isso porque, condicionado pelas estruturas econômicas, não sou, porém, por elas determinado. Se não é possível desconhecer, de um lado, que é nas condições materiais da sociedade que se gestam a luta e as transformações políticas, não é possível, de outro, negar a importância fundamental da subjetividade na história. [...] É neste sentido que só falo em subjetividade entre os seres que, inacabados, se tornaram capazes de saber-se inacabados, entre os seres que se fizeram aptos de ir mais além da determinação, reduzida, assim, a condicionamento e que, assumindo-se como objetos, porque condicionados, puderam arriscar-se como sujeitos, porque não determinados. (FREIRE, 2000, p. 27). A concepção freiriana de sujeito é, nessa perspectiva, a do sujeito histórico e crítico, capaz de olhar para si mesmo e para a realidade, distanciando-se dela para, “admirando-a”, compreendê-la melhor. Assim, para Paulo Freire, o sujeito histórico é aquele que supera a condição de consciência intransitiva ou ingênua, construindo em si e com os outros uma consciência crítica que o instrumentaliza para o fazer histórico. Quanto melhor me “aproximo” do objeto que procuro conhecer, ao dele me “distanciar epistemologicamente”, tanto mais eficazmente funciono como sujeito cognoscente e melhor, por isso mesmo, me assumo como tal. (FREIRE, 2000, p. 16). Do ponto de vista da aprendizagem, na perspectiva da construção do conhecimento, sujeito é aquele que aprende pensando, compreendendo ativamente, agindo sobre o objeto do conhecimento. O conhecimento é elaborado pelo sujeito e transformado por ele. Modificando o objeto do conhecimento de acordo com seu nível de compreensão, ao mesmo tempo, modifica e é modificado. No entanto, isso exige a mediação de um educador que assuma, ao contrário da prática bancária, uma prática problematizadora, conforme destaca Paulo Freire (1987, p. 69): Esta prática, que a tudo dicotomiza, distingue, na ação do educador, dois momentos. O primeiro, em que ele, na sua biblioteca ou no seu laboratório, exerce um ato cognoscente frente ao objeto cognoscível, enquanto se prepara para suas aulas. O segundo, em que, frente aos educandos, narra ou disserta a respeito do objeto sobre o qual exerceu o seu ato cognoscente. O papel que cabe a estes [...] é apenas o de arquivarem a narração ou os depósitos que lhes faz o educador. Desta forma, em nome da “preservação da cultura e do conhecimento”, não há conhecimento, nem cultura verdadeiros. Não pode haver conhecimento pois os educandos não são chamados a conhecer, mas a memorizar o conteúdo narrado pelo educador. Não realizam nenhum ato cognoscitivo, uma vez que o objeto que deveria ser posto como incidência de seu ato cognoscente é posse do educador e não mediatizador da reflexão crítica de ambos. A prática problematizadora, pelo contrário, não distingue estes momentos no que fazer do educador-educando. Não é sujeito cognoscente em um, e sujeito narrador do conteúdo conhecido em outro. É sempre um sujeito cognoscente, quer quando se prepara, quer quando se encontra dialogicamente com os educandos. Em muitas de suas obras, Paulo Freire enfatizou a importância do sujeito, colocando-o na posição de sujeito histórico, sujeito da decisão, sujeito cognoscente, sujeito da transformação, sujeito do processo, sujeito conhecedor, sujeito dialógico e sujeito político. As adjetivações reforçam a intencionalidade do educador em mostrar que o ser humano se autentica como sujeito à medida que se conscientiza e se insere no processo histórico de transformação social. Além dos educandos do MOVA-Brasil (compostos por jovens, adultos e idosos que não tiveram a oportunidade de se alfabetizar), dos educadores/monitores e de toda a equipe administrativo-pedagógica (cujas atribuições e perfis foram apresentados no Capítulo 4), há ainda outros sujeitos que integram o Projeto. A equipe de gestão é formada por pessoas que ocupam cargos de direção na maior empresa brasileira, a Petrobras, por dirigentes de uma das maiores organizações sindicais do País, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e por colaboradores pertencentes a uma das mais respeitadas instituições educacionais do Brasil: o Instituto Paulo Freire (IPF). Há, também, milhares de organizações civis e pessoas físicas e jurídicas que resolveram colaborar no combate ao alto índice de analfabetismo ainda existente no País. São essas pessoas e instituições que vêm tornando possível o sonho de ler e de escrever às brasileiras e aos brasileiros das regiões Sudeste, Norte e Nordeste. Consideramos importante procurar esclarecer algumas das principais razões que levaram a Petrobras a investir nesse Projeto, o que motivou a FUP e o IPF a se envolverem na organização e na execução do MOVA-Brasil. Responderemos a este questionamento de duas formas: com uma resposta comum às três instituições e, em seguida, por meio de justificativas mais específicas, de acordo com a missão de cada uma dessas organizações. A Petrobras, a Federação Única dos Petroleiros e o Instituto Paulo Freire entendem o analfabetismo como uma grande dívida social. Dívida essa resultante das injustiças sociais que penalizam, principalmente, as populações mais humildes do nosso País. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2012, houve aumento de 12,9 milhões para 13,2 milhões de pessoas analfabetas (de 2011 para 2012).

Articulação e mobilização social

Em 1983, foi criada a Central Única dos Trabalhadores (CUT), uma organização sindical de massas em nível máximo, de caráter classista, autônomo e democrático, cujo compromisso é a defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, com base nos princípios da igualdade e da solidariedade. Seus objetivos são organizar, representar sindicalmente e dirigir a luta de trabalhadores e trabalhadoras por melhores condições de vida, de trabalho e por uma sociedade justa e democrática. O fortalecimento da democracia, o desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho são marcos estratégicos da CUT, surgida em um momento de profundas transformações e de retomada do processo de mobilização da classe trabalhadora. Filiada à CUT, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), parceira do Projeto MOVA-Brasil, foi criada dez anos depois, em 1993, com a meta específica de promover a organização nacional dos trabalhadores petroleiros, expressando suas reivindicações e lutas, tanto do ponto de vista econômico quanto social, cultural e político. A FUP luta pela construção de uma sociedade sem explorados e sem exploradores, pela defesa da soberania nacional e o monopólio estatal do petróleo, somando esforços para democratizar os meios de produção existentes, na perspectiva do controle dos trabalhadores. Nesses 20 anos de atuação, a FUP vem construindo sua agenda política ao lado dos movimentos sindicais e sociais. No Projeto MOVA-Brasil, ela tem, entre outras, as funções de articuladora social e mobilizadora popular. O processo histórico da luta sindical aproximou a FUP das lutas mais gerais da sociedade brasileira, tendo a defesa da educação de qualidade, pública, socialmente referenciada e que se constrói nas relações sociais e para “além do capital” (MESZÁROS, 2005), como uma de suas bandeiras. Suas pautas são debatidas anualmente com a base. Em 2013, por exemplo, a IV Plenária Nacional da FUP, intitulada Trabalhadores do Campo e da Cidade em Defesa da Democracia, aconteceu na Escola Paulo Freire, sediada no assentamento Normandia, em Caruaru (PE). Entre os dias 6 e 9 de junho, os petroleiros e os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), da Via Campesina, debateram a luta pela soberania nacional em favor do povo brasileiro e contra a entrega dos nossos recursos energéticos e naturais. Nesse sentido, a FUP desponta como vanguarda do movimento sindical por ultrapassar a fronteira que separa a luta sindical, de caráter predominantemente reivindicatório, das instituições que têm por função apresentar propostas de enfrentamento aos problemas sociais, aumentando o coro das vozes daqueles que dizem “um outro mundo é possível”, onde toda a sociedade possa usufruir da riqueza socialmente construída. No Brasil, a partir de 1978, a classe trabalhadora ocupa a cena política do País, envolvendo todas as pessoas que vivem do trabalho para a luta política, social, econômica e por mais democracia (ANTUNES, 1995). Isso traz uma unidade na luta e uma programática comum ao movimento sindical e social. Criado em 2003, o Projeto MOVA-Brasil foi uma resposta encontrada para a redução do analfabetismo e para impulsionar o exercício da cidadania ativa em um contexto em que as lutas sociais se reaqueceram no 1º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (RS), em 2001. O Projeto, fruto da parceria entre Petrobras, FUP e Instituto Paulo Freire, consolida, nestes dez anos de existência, a gestão compartilhada, a qual tem se baseado na vivência democrática, na cooperação e na construção coletiva, respeitando as particularidades de cada entidade envolvida. Esta gestão compartilhada, construída na estrutura do MOVA-Brasil, é representada pelo Comitê Gestor (órgão formulador das diretrizes do Projeto) e também se espraia na dinâmica do cotidiano do Projeto, por meio das equipes dos polos e dos articuladores sociais, que estruturam, organizam, coordenam e executam as ações de alfabetização e de exercício de cidadania ativa. No MOVA-Brasil, os articuladores sociais são sindicalistas das entidades filiadas à FUP, que atuam na dimensão política do Projeto, de forma voluntária. A função desempenhada pelos articuladores é imprescindível à composição das diversas parcerias, para garantir o pleno desenvolvimento do MOVA-Brasil. Para compor a memória dos dez anos do Projeto MOVA-Brasil, os articuladores sociais e a coordenação da FUP contribuíram com os depoimentos e entrevistas que apresentamos a seguir. Após a parceria vitoriosa com o MOVA-Brasil, o sindicato estreitou ainda mais a sua parceria com o MST, com os movimentos estudantis e com os sindicatos da nossa região. O maior desafio, ainda, é trazer e manter os educandos em sala de aula, pois quando o corte de cana começa, a evasão compete com o Projeto, devido à necessidade de trabalho, mesmo que a renda seja miserável. Nestes dez anos, a maior emoção é ver uma pessoa ler seu nome e identificar que ele não está errado, após receber seu certificado de conclusão do MOVA-Brasil. É algo imensurável. Trabalhamos para isso, para a cidadania e consciência desta parcela do povo brasileiro, resgatada pelo governo Lula. Vitor Carvalho, articulador social do Polo Rio de Janeiro e diretor do Sindipetro-NF (Norte-Fluminense)

Responsabilidade social

“Gente é o que inspira a gente”. Com este tema, a campanha publicitária para os 60 anos da Petrobras homenageia os brasileiros, que sempre foram fonte de inspiração da empresa. Fundada no dia 3 de outubro de 1953 pelo então presidente Getúlio Vargas, a fim de executar as atividades do setor petrolífero no Brasil, a Petrobras é o resultado de um movimento popular, conhecido como “o petróleo é nosso”. Movida pelo desafio de prover a energia capaz de impulsionar o desenvolvimento e garantir o futuro da sociedade com competência, ética e respeito à diversidade, a Petrobras se projeta nos cenários nacional e internacional como uma empresa engajada e comprometida com o crescimento econômico ligado à responsabilidade social e ambiental. Dessa forma, possibilita a promoção dos valores coletivos, bem como o reconhecimento da sociedade, por apoiar projetos que têm incidência na construção da democracia, por meio da sinergia com as políticas sociais, focadas no bem viver coletivo. É uma empresa que busca contribuir, efetivamente, para a redução da desigualdade no País. Com base nesse histórico, há dez anos a Petrobras apoia o Projeto MOVA-Brasil, ao lado do Instituto Paulo Freire e da Federação Única dos Petroleiros. Esta parceria busca a redução do analfabetismo no Brasil e a inclusão de milhares de brasileiros no mundo do trabalho, fundamentados pela tecnologia social freiriana. Nesta década de existência, o MOVA-Brasil fez parte de dois grandes programas de investimento social da empresa: o Programa Petrobras Fome Zero (2003-2007) e o Programa Petrobras Desenvolvimento & Cidadania (2008-2012). Em 5 de novembro de 2013, a presidente da Petrobras, Maria das Graças Silva Foster, lançou, na abertura da Expo Socioambiental no Rio de Janeiro, o Programa Petrobras Socioambiental para 2014-2018, fomentando “iniciativas que integram as dimensões social, socioesportiva e ambiental” e potencializando a sua contribuição para o “desenvolvimento sustentável e a promoção de direitos”.

A criação do MOVA-Brasil

Os relatos aqui apresentados, e colhidos por meio de entrevistas, retratam o compromisso da Petrobras com a responsabilidade social e reafirmam a contribuição da companhia para o desenvolvimento sustentável. José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras e hoje diretor Corporativo e de Serviços, nos lembra dos dias que sucederam a eleição e a posse do presidente Lula e de como chegou à presidência da Petrobras, em 2003. “Minha primeira lembrança é o sentimento de entusiasmo de todos nós e um pouquinho de medo, medo do desconhecido, um medo do tipo: ‘Seremos capazes?’. Ninguém tinha experiência anterior, ninguém tinha experiência de governar um país do tamanho do Brasil. Eu não tinha experiência de governar a Petrobras. Eu dizia, quando cheguei aqui: ‘Eu tenho experiência do outro lado’. Experiência no movimento sindical e, depois, como parlamentar”. Naquele ano de 2003, relembra Dutra, o coordenador da FUP era o companheiro Antônio Carrara. “O Carrara nos apresentou a proposta do MOVA, que estava alinhada ao Programa Petrobras Fome Zero – e tinha sinergia com o Fome Zero do governo federal”. Depois de experiência pioneira de Paulo Freire, iniciada em 1989, em São Paulo, sucederam-se MOVAs em numerosos municípios e alguns estados. Os educadores ligados a esse movimento sonhavam com um projeto MOVA nacional, “o MOVA como política pública”, como se propunha nos Encontros Nacionais dos MOVAs. Nas primeiras edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, esse era um tema recorrente e centrado na Metodologia MOVA das diversas experiências e projetos. O debate que levou à criação do Projeto MOVA-Brasil, em 2003, só se tornou viável com a participação da FUP e da Petrobras. José Eduardo Dutra sublinha que “o pano de fundo, ou sustentáculo de toda essa discussão, era uma visão que começou naquela ocasião: a da responsabilidade social que, em 2004, passou a ser um dos pilares do plano estratégico da companhia e que, hoje, chegou a ser uma gerência executiva da companhia. A Petrobras é uma empresa que, diferentemente de todas as outras empresas, talvez do mundo, não surgiu a partir de uma oportunidade de negócio, mas de uma mobilização social, da campanha ‘o petróleo é nosso’. A Petrobras surgiu a partir de um grande movimento nacional. Claro que vimos também uma oportunidade, mas é uma empresa que tem grande inserção na história do Brasil, e, portanto, a ação de responsabilidade social da companhia não pode ser somente compensatória. A empresa tem de ter, dentro do seu sustentáculo, da sua razão de ser, a preocupação, de fato, com a responsabilidade social. Aí me lembrei do meu tempo de estudante, quando li os livros de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido e Educação como Prática da Liberdade. Era um tempo em que ficávamos procurando informações e a formação era muito fragmentada por conta da ditadura”.

Perseverança de todos os envolvidos

É muito gratificante ver um projeto de inclusão social como o MOVA-Brasil completar dez anos e saber que o movimento sindical superou todos os seus estigmas para além de suas bases corporativas. Quando, em 2003, assinamos este Projeto pela FUP, com o Instituto Paulo Freire e a Petrobras, não tínhamos ideia da dimensão que o MOVA-Brasil tomaria. Foram muitas as dificuldades superadas com a vontade e a perseverança de todos os envolvidos. Hoje, posso testemunhar o quão importante é o Projeto para as comunidades como as do entorno da Refinaria Abreu e Lima (Ipojuca, Pernambuco), onde as melhores oportunidades de trabalho não consideram aqueles que não puderam estudar. Antônio Carrara, Gerência de Responsabilidade Social Petrobras – Refinaria Abreu e Lima

Trajetória percorrida

Desde a sua concepção, o Projeto MOVA-Brasil fez um longo percurso. Com o decorrer do tempo, ele foi se experimentando e se modificando, sem perder de vista seu objetivo maior: a alfabetização de jovens, adultos e idosos, a formação de alfabetizadores (monitores), com desenvolvimento e cidadania. Nesse percurso, o MOVA-Brasil tem inspirado muita gente que se sentiu tocada pela ação comprometida de tantas pessoas que se envolveram com o Projeto. Inspirar significa “inserir ar nos pulmões”. Em sentido figurado, simboliza “encher o espírito de algo de que gostamos”, envolvimento, compromisso com alguma coisa que nos emociona. É isso o que encontramos em todos os momentos no caminho do MOVA-Brasil, aspectos particularmente desenvolvidos nos capítulos da segunda parte deste livro. Essa é uma “história que inspira”, que mobiliza sentimentos, que provoca desejos de se envolver, de querer fazer também; que provoca entusiasmo, felicidade, satisfação, emoção, solidariedade. Alfabetizar inspira desejo de justiça, de igualdade, de liberdade, de autonomia e de dignidade. Inspira respeito aos direitos humanos. Inspira porque a gente pensa em viver num país sem injustiça, mais humano, saudável, sustentável. Garantir o acesso à educação a todos e todas é caminho fundamental para a construção do Brasil com o qual tanto sonhamos. Ficar na condição de analfabeto é limitar as oportunidades de participar dessa construção. Buscaremos mostrar, neste capítulo, de forma resumida, alguns dos resultados mais visíveis do Projeto MOVA-Brasil. Alguns deles já foram apresentados ao longo do livro. Gostaríamos, agora, de evidenciar e ressaltar os dados quantitativos, além de mostrar como a Metodologia MOVA contribuiu com a ampliação da democracia participativa e com o fortalecimento dos movimentos populares e da luta pelos direitos sociais. O MOVA-Brasil se constitui, além de um projeto de alfabetização de jovens, adultos e idosos, num projeto de mobilização e intervenção social na construção de um Brasil melhor, mais inclusivo, mais justo, mais democrático e mais humano. Nesse processo, o Projeto formou mais de 10 mil alfabetizadores e alfabetizadoras e consolidou uma concepção ampliada de alfabetização de adultos.

O MOVA-Brasil em números

O Projeto MOVA-Brasil, nestes dez anos, fez parte de dois grandes programas da Petrobras: o Programa Petrobras Fome Zero (2003-2007) e o Programa Petrobras Desenvolvimento & Cidadania (2008-2012). Durante a vigência do primeiro programa, o Projeto foi organizado em quatro fases:

  • 1ª fase(setembro de 2003 a outubro de 2004). Realizado em cinco polos, um em cada estado: Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo, com 161 municípios, 543 turmas e 12.167 educandos inscritos.
  • 2ª fase(novembro de 2004 a julho de 2005). Envolveu seis estados: Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo, estendendo-se a mais um estado nordestino, Sergipe, totalizando 128 municípios, 525 turmas e 14.440 educandos inscritos.
  • 3ª fase(agosto de 2005 a julho de 2006). Manteve a mesma configuração da fase anterior, envolvendo seis estados: Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe. O diferencial aconteceu no estado de São Paulo que, em parceria com o Programa Brasil Alfabetizado, atendeu 90 presídios. Nessa fase, foram 138 municípios, 863 turmas e 23.301 educandos inscritos.
  • 4ª fase(agosto de 2006 a fevereiro de 2008). São nove os estados atendidos a partir dessa fase: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe, totalizando 232 municípios, 1.000 turmas e 24.287 educandos.

Um dos objetivos da quarta fase foi fomentar o cooperativismo (Movimento Nacional dos Catadores de Resíduos Sólidos). Nesta fase, o Projeto se ampliou novamente, passando a atender mais três estados da Região Nordeste, com Alagoas, Paraíba e Pernambuco, somando, ao todo, nove estados brasileiros, alcançando 232 municípios, 1.000 turmas e 24.287 educandos. Após o término da 4ª fase do MOVA-Brasil e o fim do Programa Petrobras Fome Zero (2003-2007), o convênio foi renovado em 2008 no contexto de um novo programa, o Programa Petrobras Desenvolvimento & Cidadania (2008-2012), como projeto que contribui para a redução da pobreza e da desigualdade social no Brasil, combatendo o analfabetismo entre pessoas jovens, adultas e idosas. Assim, o Projeto MOVA-Brasil passou por dois ciclos, acompanhando dois programas distintos da Petrobras: o primeiro ciclo, ligado ao Programa Petrobras Fome Zero, e o segundo, ligado ao Programa Petrobras Desenvolvimento & Cidadania. Para não confundir as fases do primeiro ciclo, no segundo ciclo as fases foram chamadas de “etapas”. Então, no Programa Petrobras Fome Zero temos “fases” e, no Programa Petrobras Desenvolvimento & Cidadania, temos “etapas”, como segue:

  • 1ª etapa(julho de 2008 a outubro de 2009), contemplando 199 municípios, 1.325 turmas e 33.979 educandos. Neste novo momento, o estado de São Paulo deixa de fazer parte do Projeto. No entanto, o estado do Amazonas, na Região Norte, e o estado de Minas Gerais, na Região Sudeste, são incorporados, de maneira que o Projeto passa a atender dez estados brasileiros: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.
  • 2ª etapa(dezembro de 2009 a dezembro de 2010), contemplando 194 municípios, 1.329 turmas e 31.897 educandos nos dez estados: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.
  • 3ª etapa(dezembro de 2010 a dezembro de 2011), contemplados 184 municípios, 1.311 turmas e 33.472 educandos em Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.
  • 4ª etapa(fevereiro de 2012 a fevereiro de 2013), contemplando 204 municípios, 1.417 turmas e 41.416 educandos e atendendo Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.
  • 5ª etapa(fevereiro de 2013 a fevereiro de 2014), contemplando 188 municípios, 1.352 turmas e 31.612 educandos nos dez estados brasileiros: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Na 2ª fase, ainda no período do Programa Petrobras Fome Zero, o estado de Sergipe passou a fazer parte do Projeto MOVA-Brasil, sendo atendido juntamente com o estado da Bahia em um único polo. Já na 3ª fase, Sergipe passou a constituir um polo independente. Durante a 4ª fase, o estado de Alagoas formou um polo conjunto com Sergipe, bem como na 1ª e na 2ª etapas (já durante o Programa Petrobras Desenvolvimento & Cidadania). A partir da 3ª etapa, Alagoas e Sergipe passaram a constituir polos específicos. Pernambuco e Paraíba sempre fizeram parte do mesmo polo, desde que este foi iniciado, na 4ª fase, quando o MOVA-Brasil ainda fazia parte do Programa Petrobras Fome Zero. Existiu também o Polo Semiárido, abrangendo municípios da Bahia e de Pernambuco, durante a 4ª fase e a 1ª etapa (mesmo com a existência dos polos Bahia e Pernambuco/Paraíba no mesmo período, pois atendiam outras cidades interioranas, próximas da fronteira entre os dois estados). O quadro abaixo resume o número de educandos atendidos, por estado, por fase e por etapa: Quadro com o o número de educandos atendidos, por estado, por fase e por etapa São 246.571 jovens, adultos e idosos que participaram do MOVA-Brasil no decorrer destes dez anos. É uma grande quantidade de brasileiros, mas ainda pouco perto dos quase 14 milhões de pessoas com 15 anos ou mais que são consideradas analfabetas em nosso País. Para o coletivo do Projeto MOVA-Brasil, a exclusão que estigmatiza os sujeitos analfabetos não está relacionada apenas ao domínio dos conhecimentos pertinentes à escrita, à leitura e à matemática, mas, também, a outros direitos sociais garantidos na forma da lei. Para ter um pequeno exemplo dessa exclusão, segundo os dados de 2013 transcritos do Sistema MOVA, 4% das educandas e dos educandos cadastrados ainda não possuíam documento de Registro Geral (RG, cédula de identidade). Diante de situações como essas, as ações do Projeto MOVA-Brasil têm priorizado o atendimento às populações mais vitimadas, no sentido de proporcionar a essas pessoas melhores condições para o exercício da cidadania ativa, para que possam transformar suas realidades concretas.

O Projeto MOVA-Brasil

  • - Origem do MOVA-Brasil
  • - A Metodologia MOVA
  • - A formação no MOVA-Brasil
  • - A coordenação do MOVA-Brasil
  • - O dia-a-dia do MOVA-Brasil
  • - Articulação e mobilização social
  • - Responsabilidade Social
  • - O MOVA-Brasil para além dos números

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